domingo, 1 de novembro de 2009

Sobre hábitos e lingeries


Brancas, azuis, pretas. Rosas nas mais variadas tonalidades e modelos. Vermelhas também e uma gama de outras cores. As calcinhas pendiam das gavetas do guarda-roupa e da cômoda. Eram tantas que se alguém porventura inventasse de contá-las perderia um bom tempo de um precioso dia. Clara, a dona das calcinhas tinha o hábito (aí analise o leitor bom ou ruim) de colecioná-las. Dizia que usar uma só por dia não era bom, por isso as trocava três vezes. E nunca gostava de repeti-las. Então agora entende o leitor o porquê da descrição feita no início desta crônica. Eram tantas, muitas calcinhas, até mesmo porque Clara não era mais nenhuma menininha e já contava com seus 38 anos e alguns meses e, desde seus 18 anos já mantinha esse hábito. E só não começou mais cedo porque não era independente financeiramente. A briga depois que arrumou seu primeiro emprego foi enorme. O salário minguado que ganhava mal dava para sustentar seu hábito. Sempre tinha uma justificativa para tal. Às vezes dizia que era para agradar o namorado, outras porque se sentia melhor assim. Mas o importante mesmo é que esse hábito contumaz a fazia se afundar cada vez mais em dívidas, tanto que, com seus 20 anos seu nome foi incluído no SPC e no SERASA, de onde nunca mais saiu. E não vá admirar o leitor se afirmar aqui que os débitos de Clara eram em lojas de lingerie. Se alguém sugerisse que ela fizesse um bazar ou uma doação de um pouco de suas calcinhas, era para comprar briga na certa. Clara não admitia que nenhuma delas se perdesse. Guardava, desde aquela primeira que comprou com o dinheiro de seu primeiro pagamento daquele primeiro emprego, até a última que comprara ainda há algumas horas e com a qual se vestiria nessa noite para “surpreender” o esposo. Passara o dia todo nesta árdua tarefa de encontrar um modelo tão diferente e uma cor tão única que estava até se sentindo esgotada. Mas não podia estar assim a noite. Era aniversário de seu casamento e o esposo prometera a levar para jantar num restaurante fino. E depois do jantar, a festa particular tinha que estar garantida. Foi assim que decidiu se banhar longamente com sais relaxantes. Chamou então a empregada e deu-lhe ordens para encher a banheira e preparar o banho.
Talvez o leitor possa estar se questionando aqui o seguinte: se Clara estava com o nome sujo e não tinha mais crédito nem para comprar calcinhas, como poderia ter regalos como banhos relaxantes e uma empregada em casa? Não tiro a razão de meu leitor, mas Clara tivera sorte na vida, casara-se com um homem rico que na época de namoro a enchera de jóias e que agora lhe dava todas as mordomias possíveis. A única coisa que não fazia ou imaginava não fazer, porque Clara “surrupiava” uns trocados de quando em quando, era manter o hábito dela. Clara chegou a fazer isso porque o dinheiro que ganhara com as jóias já havia acabado e entenda o leitor que foi muito bem investido na compra de calcinhas, até o último centavo. E assim fez, despiu-se e um instante antes de entrar na banheira, olhou-se longamente no espelho. Admirou-se, pois ainda possuía formas perfeitas, apesar do casal de filhos que tivera por exigência de seu esposo, porque por ela, não arrumaria nenhum. Adentrou-se dentro da banheira, acomodou a cabeça e fechou os olhos. E relaxou muito.
À noite estava linda; o vestido azul lhe caía muito bem, com seus decotes ousados. Queria provocar o esposo, despertar-lhe o desejo, renovar o amor. E foi assim que aconteceu. A noite se estendeu pela madrugada e aquela festa particular só acabou com os primeiros raios de sol. Ela estava exausta, mas seu esposo satisfeito: havia cumprido seu papel de mulher, de esposa e sentiu-se jovem. Mal amanheceu o dia levantou-se e resolveu sair, afinal seu hábito de comprar lingeries não se acabara. E comprou outras tantas com o dinheiro que conseguiu por aquele anel que ganhara do esposo na noite anterior. E assim continuou sua vida, até aquele inexplicável dia, ou melhor, manhã.
O esposo de Clara ao acordar não a encontrou na cama. De momento não se assustou, nunca a encontrava mesmo. No entanto, quando foi ao banheiro tomar seu banho matutino e se preparar para mais um dia de trabalho, quase teve um enfarte, Clara estava morta, pendurada pelo pescoço por suas calcinhas, amarradas uma nas outras. A policia investigando o caso, não encontrou explicação plausível para a morte dela. O único que tentou explicar foi o psicanalista com o qual Clara se consultava de vez em quando. Segundo ele, Clara se matou pela força de seu hábito e a maior prova disso era a de que se enforcara com as calcinhas. Mas a maioria da população daquela cidade acredita piamente que Clara não se matou, mas foi morta pelas calcinhas, o que bem poderia se encaixar na explicação do psicanalista, a não ser pelo fato de que, as pessoas diziam que as calcinhas de Clara se revoltaram porque eram usadas uma única vez e se organizando planejaram com mínimos detalhes como seria o fim dela e assim fizeram...

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