quinta-feira, 26 de março de 2009

O beabá do amor

O auditório estava silencioso, apesar do grande número de pessoas. A apreensão era aparente. A palestra sobre sexualidade era inédita naquela cidade interiorana e de gente simples. A Doutora Elizabete também se encontrava apreensiva. O fato, prestes a se suceder era também inédito na sua longa e vasta carreira profissional. Sempre palestrara para pessoas de alto nível de conhecimento, mas agora estava ali, praticamente já cara a cara com uma platéia de pessoas simplórias e imaginava ela, algumas até conservadoras.Temia mais os comentários destas últimas, para as quais bem sabia que, qualquer expressão ou palavra referente ao sexo, era pior que xingar a própria mãe.
No meio de toda aquela platéia, encontrava-se Tião que, de tão simples que era, achava que era muito sabido. Imaginem vocês o desfecho desse acontecimento: o encontro de uma doutora em sexologia com um arretado simplório metido a besta. O título da palestra era: "O beabá do amor". A Doutora pretendia conseguir conscientizar ao menos alguém sobre a importância de cuidar de quem se ama, usando preservativos e etc; coisas que a maioria das pessoas daquela cidade abominava, em função de um retardadismo religioso e moral sem base alguma. Mas eis que o inusitado acontece. Chega o momento da palestra se iniciar; a Doutora Elizabete se posiciona diante da platéia no mesmo instante em que a multimídia é ligada, jogando luz numa parede do auditório especialmente reservada para isso. Em letras garrafais, de cor vermelho púrpura e tremeluzente, a platéia, juntando as letras em sílabas e formando as palavras leu: "O beabá do amor-por Doutora Elizabete Cordeiro..." e alguma coisa a mais que por ser escrito com letras pequenas não foi possível ser decifrado.
Quando o primeiro slide entrou na tela, a pergunta que trazia era a seguinte: "O que significa o beabá do amor?". A Doutora não ficou atrás e questionou a platéia sobre o que lhes significava aquela expressão, se alguém tinha uma resposta para aquela pergunta. Foi aí que tudo aconteceu. Tião levantou-se, pigarreou, limpou a garganta e acenando para ser notado gritou:
-Eu sei, dotora, eu sei...
-Muito bem, aproxime-se- disse a Doutora -Poderia me dizer seu nome por favor?
-Quar dotora? U di batismu ou u du povu?
-Qual você quiser. Você tem dois nomes?
-Óia dotora, tê dois nomi num tenhu, mais assinu um i u povu mi chama di otru...
-Sei...
-Meu nomi di batismu é Sebastiãu, mais u povu mi chama de Tiãu...
-E por qual posso te chamar?
-Quar quisé dotora, mais dexu craru qui perfiro Tiãu. É mais íntimu...
-Tudo bem, Tião- disse a Doutora, começando a perder a compostura, o que era claro quando se punha a alisar a blusa ou a limpar os óculos -Você disse que a expressão "Beabá do amor" lhe significa alguma coisa- afirmou com relutância, uma vez que questionava a impertinência daquele simplório cidadão e em que direito se encontrava para achar que tinha intimidade com ela - Você pode nos dizer então?
-Óia dotora. Na verdade, num é só u qui eu pensu né. Querdito qui a maioria dessi pessoar pensa a mema coisa...
-Está certo Tião; poderia nos dizer?- mais uma vez questionou a Doutora, percebendo sua impaciência começando a aflorar.
-Pudê, possu!Mais a dotora tem qui considerá u siguinti: deisdi qui butei o zóiu nu cartaiz da venda qui tenhu pensadu muitu sobri u significadu dissu tudu...
-E chegou a alguma conclusão? Se chegou diga, por favor- quase que gritou a Doutora Elizabete contendo ao máximo que podia sua impaciência.
-Tá bão dotora, vô dizê...
Fez pose de intelectual e disse:
-Bom, u primeru b do beabá é bejo...
Ouviu-se em uníssono um Oh na platéia. A Doutora ficou zonza:"Até parece mesmo que amor se resume em significados de letras"- pensou. Mas mesmo assim resolveu dar corda para Tião:
-E o a Tião, significa o quê?
-É amassu dotora.
Dessa vez o que se ouviu na platéia foi um coro de uis.
-Bem Tião. E o outro b, o que significa?
O que se ouviu momentos depois foi um estardalhaço de risadas misturados com um coro de cruz-credos.
Tião, na sua inocência ou metidez de achar que muito sabia, disse algo que fez a Doutora em Sexologia, Elizabete Cordeiro, perder a respiração; não pelo significado do que disse, mas pela expressão que saiu de sua boca:
-É bulinhá, dotora, é bulinhá...

Um comentário:

  1. Tião, ao mesmo tempo ingênuo e esperto até demais rs... De fato "bulinhá" tem reflexos no amor rsrs... Oh coisa boa rs...
    Fiquei curioso para saber o que se sucedeu no decorrer da paletra rs...
    Abel, perseverai!
    Abração e parabéns pela crônica.

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KKKKKK...essas discussões prometem...por favor comentem!!!